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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Contra o ficha suja, voto limpo


Se depender da Justiça Eleitoral, o processo de escolha dos novos prefeitos e vereadores será pautado pela aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa. A garantia foi dada pela presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, a juízes e servidores do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná. O desejo do órgão, a partir da importância da matéria ao país, deve fomentar uma discussão ainda maior, que é transferir esse desejo diretamente ao cidadão. Cabe a cada eleitor exercitar o voto consciente e pesquisar a fundo a vida de seu candidato antes de dedicar apoio a ele.

O TSE investe com força na medida. Propôs, inclusive, parceria com os presidentes das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que a Ficha Limpa tenha sua
aplicação
estadual garantida no pleito de outubro. Seria através do trabalho de conscientização de cada eleitor. “Todas as leis do mundo não substituem a honestidade e a dignidade de cada pessoa”, lembrou a ministra.

Cármen Lúcia, aliás, usou outro termo ao se referir ao pleito nas mãos do eleitor: voto limpo. E a mudança cultural passa diretamente pela postura do indivíduo diante de nomes que se apresentam como candidatos a representantes do povo nos poderes Executivo e Legislativo. Se desejam isso, primeiro mostrem suas fichas e que estão “limpos”.

Os partidos políticos também têm papel fundamental para que o pleito do segundo semestre deixe fora das urnas aqueles que continuam com pendências na Justiça. Se estabelecerem regras claras a seus filiados - para concorrer, só ficha limpa - contribuem em muito com o processo.

A OAB, que atua em mais de mil locais do Brasil, aceitou de imediato a parceria, mas ressaltou a necessidade de que as justiças Eleitoral e comum sejam ágeis, pois a aplicabilidade da lei está atrelada às
decisões
dos tribunais. A ideia é que a entidade e os TREs promovam um sistema de defesa dos cidadão, que possa ser trabalhado também nas escolas de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Levaria a uma consciência cívica e à fiscalização dos partidos políticos, para que eles escolhessem bem seus candidatos.

Uma questão é importantíssima às eleições municipais e fundamental para a eficácia da Lei: o povo precisa conhecer e ter acesso à lista dos candidatos “ficha suja”. Essa é a forma mais simples e positiva de oferecer ao eleitor
informações
que fortaleça seu voto. A lista na mão seria como uma vacina para erradicar esse surto que acomete o país. E vale repetir aqui as palavras do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante: "Aqueles que não têm ficha limpa não devem concorrer às eleições".

A cota racial só disfarça o problema

O simples critério racial tende a provocar uma perigosa distorção. Diferencia os brasileiros pela cor da pele e não pelos méritos do conhecimento
Em julgamento histórico, por unanimidade de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou na última quinta-feira como constitucional a política de cotas raciais como um dos critérios para ingresso nas universidades. A decisão se deu em razão de questionamentos quanto à legalidade do modelo, assim como à forma tão pouco científica com que as instituições aferem a ascendência étnica dos candidatos. Entretanto, deve-se aduzir à decisão do STF comentários que vão além dos limites jurídicos para adentrar em aspectos que dizem respeito a outras políticas públicas de inclusão.
É inegável que, em um país em que subsistem profundas desigualdades, é essencial que o Estado promova processos de inclusão. É de sua obrigação criar oportunidades também àqueles que, por diferentes motivos, não conseguem se aproximar do ideal de igualdade preconizado pela Constituição e são condenados a permanecer nos estamentos periféricos da sociedade. Exatamente neste ponto cabe uma ressalva com relação à decisão do STF: não apenas a população negra seria credora de políticas públicas compensatórias, devendo ser incluídos nesse rol outros segmentos, como o dos indígenas.
Que fique claro não se tratar de olvidar a tragédia que foi a escravidão no país, a dívida social decorrente dessa chaga, nem o subjacente preconceito racial que, muito embora dissimulado, lamentavelmente teima em existir. Por outro lado, não há como deixar de mencionar o positivo processo de miscigenação ocorrido, que permitiu fazer do Brasil uma sociedade multirracial sem a intolerância vista em outras plagas. Sob este prisma, mais importante nos parece ser a adoção de medidas para reduzir as profundas disparidades sociais que segregam milhões de brasileiros, impedindo-os de ter acesso a uma vida digna, aí incluídos não apenas os afrodescendentes.
A universidade, não há como negar, é um símbolo de status e porta de entrada para descortinar a perspectiva de uma vida socialmente diferenciada. Condição que, por princípio, é um direito de todos.
Entretanto, é necessário que busquemos nas origens da desigualdade outros fatores que nos levam obrigatoriamente a relativizar a ênfase na questão racial do modelo brasileiro. E o mais importante desses fatores está exatamente no campo da educação pública. Sabemos todos o quanto é ainda sofrível a qualidade do ensino público no Brasil – testes internacionais de leitura e matemática evidenciam nosso atraso no setor.
Tais problemas não atingem exclusivamente as crianças e jovens negros ou pardos, mas também os alunos brancos que, em razão de sua condição socioeconômica, são igualmente excluídos da oportunidade de frequentar o ensino básico privado, que oferece educação de melhor qualidade. Independentemente da origem étnica, o filtro que os impede de ingressar nas universidades públicas, muitas delas excelentes – consequentemente mais concorridas e mais exigentes nos processos de seleção –, se concentra no baixo nível educacional da escola pública.
O simples critério racial tende a provocar uma perigosa distorção. Diferencia os brasileiros pela cor da pele e não pelos méritos do conhecimento acumulado nos bancos escolares. Logo, talvez mais importante que estabelecer o impreciso regime de cotas raciais é o investimento que cabe ao governo fazer para melhorar a qualidade do ensino público básico, de tal modo que brancos e negros, ricos e pobres alcancem condições iguais de acesso aos níveis de graduação universitária.
Pensar em estabelecer cotas raciais sem ao mesmo tempo dar solução ao problema principal é o mesmo que eternizar a aplicação de um remédio apenas paliativo, que deveria ser encarado como transitório. Que se adote a cota racial como um passo, mas nunca como o único e permanente. Há outro passo urgente: a universalização do ensino de qualidade. Este, sim, é o canal para diminuir as desigualdades, diferentemente do outro, que acentua as diferenças baseado em ultrapassados, moderna e cientificamente inaceitáveis conceitos de raça.